
Código de Ética da Sociedade Portuguesa de Psicologia Analítica (SPPA)
Preâmbulo
A prática da Psicologia Analítica tem por base a relação terapêutica estabelecida entre duas pessoas, Analista e analisando, com vista à promoção do melhor interesse do paciente, no respeito pela sua dignidade e unicidade, promovendo a sua autonomia e autodeterminação num quadro de respeito pelo próprio e pelo outro. A partilha e proximidade decorrente da natureza da relação estabelecida impõe um rigoroso posicionamento ético por parte do Analista, alicerçando-se nos valores do respeito pela dignidade e direitos do paciente, da competência profissional, da responsabilidade decorrente da consciência das consequências do seu trabalho e da integridade, expressa pela coerência na atuação dos princípios da profissão, evitando conflitos de interesse.
O Código de Ética procura inspirar a boa prática clínica e defender as condições para o estabelecimento de uma relação segura no decorrer do processo analítico, prevenindo eventuais violações do setting terapêutico.
Assim, os Analistas da SPPA, qualquer que seja a sua categoria de membro, devem observar os princípios éticos e uma conduta responsável, baseada numa sólida formação profissional, nos pressupostos técnicos e científicos da Psicologia Analítica, e numa formação pessoal adequada. A observância dos princípios éticos deverá orientar a relação com os pacientes, formandos, supervisandos e colegas.
Os membros da SPPA deverão ter em linha de conta que quando desempenham a sua atividade de uma forma menos competente contribuem para o prejuízo do paciente, bem como para o descrédito da Psicologia Analítica. Assim, na relação com colegas de áreas congéneres, com outros profissionais e com o meio social deverão orientar a sua conduta por uma atitude que respeite, preserve e fomente o valor da Psicologia Analítica.
Em caso de desrespeito pelos princípios deste Código serão aplicadas as medidas disciplinares a definir, após análise dos factos.
O Código de Ética será respeitado por todos os membros da SPPA e seus funcionários.
1 - Princípios Gerais
1.1 – A atividade do Analista está submetida às Leis e à Constituição Portuguesa, regendo-se pelo respeito pelos direitos humanos, liberdade, justiça e igualdade.
1.2 – A prática analítica aceita incondicionalmente a unicidade do paciente, excluindo qualquer discriminação de género, orientação sexual, etnia, religião, classe social ou qualquer outra diferença que não seja impeditiva do processo psicoterapêutico.
1.3 – A prática da Psicologia Analítica assenta numa formação universitária de base, na prática clínica e na obtenção de um grau de especialização atribuído pela SPPA.
1.4 – A atualização profissional faz parte dos deveres do Analista (formação complementar, supervisão, análise pessoal, conferências, etc.)
1.5 – O Analista publicitará os seus serviços com rigor e restringindo-se às intervenções para as quais se encontra devidamente habilitado, abstendo-se de mencionar qualificações que não possua. Do mesmo modo, atribuirá o devido crédito e referência às contribuições e publicações de outros colegas e não deve plagiar o trabalho de outros.
1.6 - O Analista não exercerá funções sob influência, pontual ou prolongada, de álcool, drogas ou outras substâncias psicotrópicas que possam colocar em causa o seu discernimento, responsabilidade e competência profissional. O mesmo se aplica em caso de doença física ou psíquica, ou qualquer situação de stress grave que, momentânea ou permanentemente, impeça o exercício adequado da profissão.
1.7 – A existência de condenação judicial por processos-crime, ou o envolvimento em conduta pouco ética, de membros da SPPA deverá ser comunicada ao Presidente da SPPA e posteriormente analisado pela Comissão de Ética, que determinará a existência, ou não, de consequências.
2 – Relação Analista-Paciente
2.1 - Ao aceitar iniciar um processo de análise, o Analista compromete-se a respeitar e zelar pelo melhor interesse do paciente sob todas as circunstâncias, aceitando incondicionalmente as suas preferências, opiniões, orientações religiosas, políticas, sexuais etc, desde que tal não coloque em risco o próprio ou terceiros.
2.2 - No início da análise as condições do processo terapêutico devem ser claramente estabelecidas com o paciente (ou o seu representante, quando aplicável, no caso de menores), abordando os aspetos relacionados com o plano de intervenção psicoterapêutica, esclarecendo o paciente relativamente às expectativas que possa ter e informando sobre eventuais alternativas consideradas adequadas, obtendo o seu consentimento informado para a prossecução da intervenção analítica. Neste âmbito, deverão ser ainda definidos aspetos relativos ao setting, como a frequência das sessões, duração, honorários, entre outros, sendo o Analista responsável por assegurar os limites da relação terapêutica.
2.3 - O Analista deverá proporcionar condições logísticas que garantam o respeito pela privacidade do paciente e os meios necessários para o exercício da prática profissional.
2.4 - Os honorários representam uma justa retribuição pelo serviço prestado, devendo ser estabelecidos pelo Analista e abordados com o paciente no início da análise. Não deverão existir outros envolvimentos financeiros com o paciente, como por exemplo: envolver-se em negócios com um paciente ou usar informação obtida no âmbito da relação terapêutica (ou seus pais, no caso de um menor) para seu ganho financeiro. De igual modo, as ofertas ou presentes por parte de pacientes devem ser recusadas, exceto as de reduzido valor (monetário) e cuja recusa possa ser penalizadora da intervenção.
2.5 - O Analista, estando consciente da dinâmica transferencial, é responsável por preservar o espaço analítico, pelo que durante o processo analítico os contactos sociais com os pacientes, seus ou pessoas da sua esfera de relações próximas deverão ser evitados.
2.6 - O Analista deve prevenir e evitar colocar-se em situações que possam constituir eventuais conflitos de interesse (por exemplo, não deve estabelecer uma relação terapêutica simultaneamente com elementos da mesma família).
2.7 - O Analista não deve estabelecer relações múltiplas, pelo que não deverá aceitar como pacientes pessoas com as quais tenha relações de outra natureza (familiares, afetivas, profissionais, etc). Não deve, igualmente, desenvolver relações de outra natureza com os pacientes ou pessoas próximas destes. A relação terapêutica sobrepõe-se a qualquer outra e deve ser preservada, sendo essa uma obrigação do Analista, que será responsável por qualquer prejuízo que possa vir a ocorrer, decorrente desse contexto.
2.8 - O Analista não se envolve em relações românticas ou sexuais com os pacientes. Terminar a relação terapêutica para iniciar uma relação sexual também não é ético, constituindo uma quebra da relação terapêutica, que se sobrepõe a qualquer outra.
2.9 - Não são aceitáveis formas de conduta do Analista que recorram à violência física ou moral. A utilização de meios de contenção física apenas será tolerada quando exista risco físico para o próprio ou terceiros.
2.10 - A conclusão da intervenção ocorre quando os objetivos definidos são alcançados, em casos de ineficácia da intervenção, ou ainda quando se observam constrangimentos à manutenção da relação terapêutica, incluindo ameaças por parte dos pacientes. O término da intervenção deve ser abordado com o paciente e, nos casos em que se justifique, poderá ser referenciado para outro colega, de modo a ter a oportunidade de continuar o processo terapêutico.
2.11 - Após a conclusão da intervenção terapeutica é importante ter em consideração que a dinâmica transferencial não cessa por completo, pelo que há que usar de discrição em eventuais contactos sociais posteriores. É aconselhável que, mesmo após a conclusão do processo analítico, a relação terapêutica seja preservada.
3 - Confidencialidade
3.1 - A confidencialidade e a privacidade do paciente devem ser absolutamente garantidas, quer ao nível da sua identidade, quer dos conteúdos abordados ao longo do processo terapêutico. O sigilo mantém-se mesmo após a conclusão da intervenção e do falecimento do paciente.
3.2 - A divulgação de histórias clínicas pode ser feita em contexto científico ou pedagógico, desde que o anonimato e a confidencialidade estejam assegurados. Se o paciente solicitar que os conteúdos a ele referentes não sejam divulgados, isso deverá ser respeitado.
3.3 - O Analista tem a obrigação de conhecer as situações específicas em que a confidencialidade apresenta limitações éticas ou legais e deve discuti-las com o paciente, no início da relação terapêutica e sempre que se justificar.
3.4 - Informação confidencial poderá ser divulgada em situações que se justifiquem quando o paciente, ou seu representante legal, consentir previamente de modo informado (por exemplo, imperativos legais para sua defesa ou na articulação com outros técnicos ou serviços).
3.5 - O contacto com familiares e pessoas da esfera de relações do paciente, a ser necessário, deverá ser efetuado com o seu conhecimento e, preferencialmente, previamente autorizado
3.6 - A quebra da confidencialidade pode ocorrer sempre que se considere existir risco grave para o paciente ou para terceiros, em que a integridade física ou psíquica esteja em causa (por exemplo, perigo de vida, maus-tratos a menor ou pessoa particularmente indefesa), sendo que, mesmo nestes casos, deverá ser dado conhecimento do levantamento do sigilo ao próprio, excepto em situaçõesem que tal seja absolutamente inviável, como forma de tentar preservar a relação terapêutica.
3.7 - Em situações de dilemas éticos e casos que configurem crime de extrema gravidade por parte do paciente, poderá o Analista ou o psicoterapeuta consultar a Comissão de Ética.
4 - Relacionamento Profissional
4.1 – O Analista colabora com colegas e profissionais de outras áreas, salvo em caso de justificado impedimento, respeitando a sua competência específica, deveres e responsabilidades, pautando-se pelo respeito pela verdade e pela lealdade.
4.2 - Na relação com colegas e profissionais de outras áreas, não os desacredita, independentemente de estes utilizarem os mesmos ou outros modelos teóricos ou metodologias de intervenção, com validade científica, e deverá abster-se de julgar outros colegas ou profissionais de outras áreas de forma não fundamentada. Assim, respeita a competência específica de outros profissionais e limita a sua intervenção à sua própria área de competência, ajudando o paciente a obter o apoio adequado por parte de outros profissionais, se tal se asseverar necessário.
4.3 - O Analista rege-se por um posicionamento íntegro, em que nas discussões científicas, clínicas ou de natureza institucional serão respeitados os diferentes posicionamentos teóricos, evitando unilateralismos redutores e aspirando à procura de melhores soluções e maior conhecimento.
4.4 - Em caso de referenciação para outro colega, deverá facultar os elementos necessários a uma transição adequada do caso, com o consentimento prévio do paciente.
4.5 - A comunicação com colegas da SPPA, incluindo com os Órgãos Sociais, funcionários e clientes, será conduzida de forma civilizada e baseada no respeito, direito à opinião e livre expressão, inibindo-se do recurso a insultos, difamações, ou pressões ilegítimas de qualquer natureza.
5 – Relação Supervisor - Supervisando
5.1 - O supervisor deve respeitar a relação com o supervisando, mantendo presente a partilha da responsabilidade pelo cuidado com os pacientes, bem como pelo sigilo da informação recebida.
5.2 - O supervisor não deve de forma alguma abusar da ascendência que tem sobre o supervisando, seja sexualmente, ou aproveitando-se do poder que tem para avaliar, classificar ou recomendar.
5.3 - O supervisor deve evitar os contactos sociais com o supervisando durante e após a supervisão, devido a questões de transferência e projecção em curso que possam ter surgido no decurso da supervisão.
5.4 - A supervisão e análise de um formando não deverá ficar a cargo do mesmo profissional em simultâneo. Mesmo após o término de algum dos processos, deverá ser alvo de reflexão relativamente à relação custo-benefício de encetar um processo diferente com o mesmo Analista.
6 - Responsabilidade na Denúncia e Comparência perante a Comissão de Ética
6.1 - É responsabilidade de um membro individual da SPPA procurar ajuda e comunicar a sua conduta não profissional à Comissão de Ética. A auto-revelação não isentará o membro de responsabilidade pela sua conduta, nem impedirá uma acção disciplinar por parte desta Comissão. Procedimentos criminais graves do Analista deverão ser analisados pela Comissão de Ética com as eventuais consequências que daí possam advir.
6.2 - Qualquer membro da SPPA, perante o conhecimento de uma infracção grave, factual, no plano ético por parte de outro colega, tem a responsabilidade de informar a Comissão de Ética, excepto nos casos em que a confidencialidade do paciente deva ser mantida. Quando um membro da SPPA é alertado para o comportamento anti-ético de um colega, deve primeiro falar com o colega, tentar pôr termo ao comportamento em questão e, se necessário, encorajar a supervisão e/ou o retomar da análise pessoal. Caso tal não surta efeito, deverá proceder a uma exposição escrita dirigida ao Presidente da Comissão de Ética. Deve ser denunciada ao Presidente da SPPA qualquer pessoa que desempenhe funções para as quais apenas os Analistas estejam habilitados.
6.3 - Quando um membro individual é chamado a responder a uma denúncia ou reclamação, a fim de esclarecer uma possível violação da ética, a recusa em reunir-se com a Comissão de Ética da SPPA e cooperar de boa fé pode, ela própria, constituir base para uma acusação separada, de comportamento não ético ou não profissional. Este incumprimento pode constituir motivo para uma ação da Comissão, incluindo uma recomendação de suspensão ou expulsão de filiação individual ou colectiva na SPPA.
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