Desde tempos imemoriais que os sonhos cativam a curiosidade e a imaginação humanas, servindo como janelas para os misteriosos domínios da mente inconsciente. Em vários momentos históricos e contextos culturais, os sonhos tiveram e ainda têm um papel de grande importância como fontes de informação sobre a vida do individuo e da comunidade. O seu conteúdo é partilhado, discutido e tomado em consideração quando decisões importantes têm de ser tomadas. No âmbito da Psicologia Analítica, os sonhos ocupam igualmente um lugar de grande importância. Consideramos os sonhos como fontes inestimáveis de informação sobre o mundo emocional do indivíduo, as suas relações interpessoais, o tipo de conflitos presentes e a sua jornada de desenvolvimento psicológico a que chamamos individuação.
O conceito de inconsciente nas suas dimensões pessoais e coletivas, é central em Psicologia Analítica. Vemos o inconsciente com um vasto território de pensamentos, sentimentos, memórias e impulsos, que embora inacessíveis à consciência, a visitam e invisivelmente a condicionam. Não é apenas um deposito de material que foi esquecido, reprimido ou ignorado, mas também um espaço de novidade e criatividade. É um espaço não só de passado, mas também de presente e de futuro. No processo analítico, a tomada de consciência daquilo que em nós é inconsciente, é um passo fundamental que permite criar um diálogo criativo entre o mundo interior e exterior, mundos estes que muitas vezes estão impermeavelmente separados, criando tensão que se manifesta como ansiedade, depressão, sintomas psicossomáticos ou conflitos interpessoais. Os sonhos são as mais claras manifestações do inconsciente que reage e comenta as escolhas e padrões de comportamento da mente consciente, numa logica de compensação, no sentido de mostrar aquilo que está a ser ignorado ou negligenciado, mas também confirmando as escolhas que vão sendo feitas. Aprendermos a linguagem dos sonhos é termos um aliado que nos vai ajudando a corrigir a rota das nossas vidas. Este princípio de compensação, assenta no princípio de que existe uma natural capacidade nas nossas Psiques de encontrar o equilíbrio e se reorganizar, assim como acontece com os nossos corpos, sinalizando e informando potenciais déficits ou excessos. Contudo, esta informação é expressa simbolicamente, utilizando imagens e metáforas para transmitir a sua mensagem. É uma língua estrangeira para o eu, habituado às palavras, à causalidade e à logica cartesiana. Estas imagens oníricas são muitas vezes permeadas por material oriundo do dia-a-dia, das memórias e experiências pessoais (material proveniente do inconsciente pessoal), mas também de aspetos misteriosos e desconhecidos para o eu, provenientes do inconsciente coletivo, refletindo experiências e emoções humanas universalmente partilhadas, arquetípicas, na linguagem da Psicologia Analítica. Não raramente, ambos aspectos estão presentes nos sonhos criando uma paisagem e narrativa surrealista. Contudo, Jung propôs que os símbolos presentes nos sonhos não são arbitrários, mas sim a melhor expressão possível da economia psíquica naquele momento. Assim, é fundamental trabalhar com as imagens especificas do sonho, por muito misteriosas que possam parecer para o eu, e não convidar outras parecidas ou relacionadas com estas que possam fazer mais sentido racionalmente e reduzir a ansiedade de não percebermos exatamente o que passa ou o que o sonho quer dizer.
Em Psicologia Analítica o trabalho com sonhos é um trabalho de equipa entre analista e cliente, sendo que é o cliente que tem a chave para o seu sonho. O analista não é um especialista que interpreta os sonhos do cliente, mas sim alguém que facilita este contacto com a linguagem do inconsciente, convidando-o a trazer associações pessoais aos vários símbolos presentes no sonho, tomando atenção às emoções presente na narrativa onírica e ajudando-o a perceber aquele sonho no contexto específico daquele momento da sua vida. Tendo em conta o caráter compensatório dos sonhos, anteriormente discutido, é indispensável ter em conta o contexto de vida em que aquele sonho específico aconteceu. Apesar dos símbolos presentes no sonho terem tipicamente um significado único para cada individuo, por vezes não existem associações pessoais ou a narrativa onírica não parece estar relacionada com nenhum aspecto da vida acordada do cliente. Podemos estar na presença de um sonho com aspetos coletivos e arquetípicos, sendo aqui apropriada a técnica de amplificação, na qual um símbolo é explorado à luz do seu significado noutras culturas, na mitologia ou na arte.
A Análise Junguiana incorpora também técnicas como a imaginação ativa no trabalho com sonhos. A imaginação ativa implica entrar em diálogo com as imagens e símbolos dos sonhos, envolvendo-se num processo ativo, criativo e interativo para obter uma compreensão e um discernimento mais profundos.
Sendo o processo analítico tipicamente longo no tempo, trabalhamos com aquilo que chamamos séries de sonhos, permitindo assim a exploração de temas, motivos e símbolos recorrentes, que ajudam o sonhador a tomar consciência de padrões que iluminam a dinâmica inconsciente e condicionam a liberdade pessoal, assim como perceber mudanças em aspetos dos sonhos que apontam para mudanças de atitude e novos comportamentos. Nos sonhos encontramos as descrições simbólicas dos nossos conflitos e complexos, mas também podemos encontrar recursos uteis para o processo de desenvolvimento pessoal, esquecidos ou ignorados pela consciência e passiveis de serem integrados.
O trabalho com sonhos é desafiante e apaixonante pois nunca está acabado e não obedece às regras da logica do eu. Trabalhamos com símbolos e não com signos, e por isso nunca esgotaremos o significado encerrado num sonho. O convite é a manter esta relação com o inconsciente, continuarmos abertos, curiosos e investidos em conhecer cada vez melhor este outro em nós, que nos vai guiando neste processo permanente de autoconhecimento e autorrealização e nos convida à criatividade e liberdade.
Pedro Mendes
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